16.1.11

A vida da minha avó, ou de como o país em que vivo às vezes cansa

A minha avó é uma senhora de 70 anos que fez o ensino primário naquela altura em que ainda era preciso saber de trás para a frente as estações de caminho de ferro de Angola. Discursa orgulhosamente sobre os muitos anos que trabalhou como empregada doméstica e arruma a casa três vezes por semana. Não sabe o que são as agências de rating, a euribor, ou como é que se calcula o deficit. Odeia de morte o Sócrates e acha que tudo de mal no país é culpa dele, principalmente que a obriguem a pagar mais pelas consultas da médica de família e pelos medicamentos, a ela que recebe "uma reforma tão baixinha". Como fez em todas as eleições desde o 25 de Abril, vai votar PSD, porque sim, sem nenhuma justificação, e nem vale a pena tentar explicar-lhe que um dos objectivos políticos do PSD a curto prazo é pôr fim ao sistema nacional de saúde e a todos os benefícios que dele advém (sobre este assunto não me pronuncio, talvez porque a minha opinião não seja tão comum como se possa esperar).
O que me traz aqui não é falar sobre a saúde da minha avó ou o facto de ela me tirar a paciência quatro ou cinco vezes ao dia. É a constatação de que a minha avó, em toda a sua santa ignorância, não é um caso único no país, é aliás parte da maioria. Porque tal como não sabe o que é a euribor ou os ratings, a minha avó não consegue apresentar uma definição remotamente razoável de democracia, ou de república, ou de separação dos poderes. Tal como a maioria dos portugueses, a minha avó acha que os tribunais estão comprados pelo governo, que está por sua vez comprado por outros tipos quaisquer que só nos querem lixar. E tal como a maioria dos portugueses, a minha avó nunca leu um programa eleitoral, nem faz ideia do que isso seja, e como tal vota porque gosta mais da cara dos tipos daquele partido, não porque as propostas deles sejam boas.
A minha avó é só um caso entre muitos que explica as razões para Portugal estar sempre "na cauda da Europa". Os portugueses são, em muitos casos, ignorantes, e são-no porque querem, e têm orgulho em sê-lo. Existem excepções, claro que sim, mas não é tirar uma licenciatura que nos torna mais inteligentes (acreditem, eu tirei uma e não me valeu de muito). Os portugueses acham que sabem sempre tudo e não admitem os erros, gostam de chorar sobre o leite derramado do tempo "glorioso" do império colonial ou do regime salazarista. Entrámos no século XXI, terceiro milénio, e Portugal tem 10% de analfabetismo. A Alemanha, em 1900, tinha 3%. Portugal não é um país pobre, como dizia o PCP nos anos 60, os portugueses é que não querem ser ricos, porque isso dá muito trabalho.

P.S.: eu gosto muito de Portugal, não gosto é dos portugueses.

1.1.11

Temos de mudar o mundo

Quando começa um novo ano fazem-se listas de projectos, de decisões, de coisas a mudar. Prometemos perder peso, ajudar os mais desfavorecidos, fazer mais boas acções, ir de viagem às Caraíbas. Raramente essas coisas são cumpridas.
Eu quero mudar em 2011, quero mudar muita coisa em mim e na minha vida. Mas não é só disso que se trata. Já não basta fazer mudanças pequeninas nas nossas vidas. Temos de acordar para a realidade e ver que o mundo precisa das pessoas. As pessoas são demasiado egoístas e esquecem-se que o mundo precisa delas. Temos de participar no mundo, de votar, de fazer voluntariado, de propor ideias, de agir. Temos principalmente de agir. Temos de "virar o mundo de dentro p'ra fora".

"Virar o mundo,
de dentro p'ra fora,
a ver se o mundo
assim melhora,
e se não melhorar
eu vou continuar,
a virar, a virar"

Poema de Manuel António Pina, cantado pelo Bando dos Gambozinos