16.1.10

"O feminismo poderia libertar os homens, se as mulheres deixassem."

Eu sou uma feminista, da pior espécie. Segundo o dicionário que consultei, o feminismo é o "sistema dos que preconizam a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem". Eu tenho tendência para ver os homens como puro desperdício de tempo, dinheiro, e matéria humana, por razões que, segundo a psicóloga de serviço (eu sei, não és psicóloga, mas isso não interessa :P), se prendem com o facto de eu considerar a mulher como um ser perfeito, admirável em todos os sentidos, e por isso nenhum homem ser suficiente bom para merecer a sua presença sequer.
Na minha mente retorcida os homens servem para nos fazer perder tempo, quando nos perdemos nas estradas porque eles se recusam a pedir indicações, para deixar sempre a tampa da sanita levantada, e diversas outras actividades diárias profundamente inúteis. E a que vem isto tudo? Porque reli este texto da Inês Pedrosa, que já saiu há umas semanas, mas que me pareceu interessante. As feministas, na sua ânsia de igualdade, acabaram por, em parte, se isolar de muita coisa com a desculpa de serem "expressões primárias tomadas de empréstimo ao léxico masculino", para dar um exemplo. E sim, eu sei que a minha atitude é exactamente essa, essa ideia de completa exclusão, e que vou ter de trabalhar muito estes meus neurónios para fazer o caminho contrário. Talvez um dia. Para já, leiam o texto.

"Qual é exactamente o problema de uma criança ser adoptada por dois homens ou duas mulheres?" Nenhum.

Transcrevo na íntegra este texto, do blog Bomba Inteligente, de Carla Hilário de Almeida Quevedo, e que descobri graças a este post do Eduardo Pitta:

"Rádio Blogue: Adopção por casais homossexuais
A nova lei do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não inclui a possibilidade de adopção. A primeira consequência desta exclusão recai sobre os homossexuais que já adoptaram uma criança e que podem querer casar. O que poderá, então, acontecer aos casais do mesmo sexo que queiram contrair casamento, no caso de um dos cônjuges ter uma criança a seu cargo? Em declarações ao Público, o deputado José Lello afirmou que o PS admite «(…) ter de clarificar o texto, o que pode implicar dar um retoque na redacção do ponto dois do artigo referente à adopção para que não fique a ideia de que se vão coarctar direitos adquiridos». Ainda como noticia o Público, «[n]o referido ponto dois, ficou estabelecido que “nenhuma disposição legal em matéria de adopção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior”, no qual se consagra que a nova lei veta a adopção “por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo”.» O descontraído «retoque» proposto pelo PS, a ser concretizado, criaria uma nova situação de desigualdade incompreensível: teríamos casais homossexuais com crianças e outros proibidos de adoptar. Pouco depois das declarações de José Lello, o vice-presidente da bancada parlamentar socialista, Ricardo Rodrigues, afirmou o seguinte ao Diário de Notícias, no caso de a lei vir a ser chumbada pelo Tribunal Constitucional: «Actuaremos em função dessa eventual nova realidade». Isto significa que o PS vai deixar cair a lei ou vai tentar incorporar a adopção? A promessa de José Sócrates para o casamento homossexual não incluiu a adopção porque envolvia «uma terceira pessoa». Reflictamos, então, sobre o tão badalado «superior interesse da criança». Se a educação de uma criança depende de situações ditas ideais, os primeiros responsáveis pelo colapso da família são os casais heterossexuais. Quem não tem pai nem mãe merece ser condenado a uma vida numa instituição social? Qual é exactamente o problema de uma criança ser adoptada por dois homens ou duas mulheres? Como sabemos que um casal gay é menos competente na educação de uma criança que um casal heterossexual?".

13.1.10

Se tivesse ficado calado, se calhar fazia melhor figura...

Eu sei que não é a altura certa. Sei que é um momento terrível, que milhares de pessoas possivelmente morreram, que muitas mais ficaram feridas, que têm as vidas completamente destruídas. Mas estas coisas irritam-me. E eu não me sei calar.
Irrita-me mesmo muito que tantos países estejam a fazer tudo o que podem, enviando comida, medicamentos, hospitais de campanha, cães pisteiros, água!!, água potável, que neste momento as pessoas do Haiti não têm, e a única coisa que o líder da organização não governamental mais rica e poderosa do mundo, a Igreja Católica, manda são orações. Orações!!
As orações não tiram pessoas de debaixo dos escombros, não lhes tratam as feridas, não lhes matam a sede nem a fome. A Igreja Católica tem dinheiro suficiente para acabar com a fome no planeta inteiro, e a única coisa que faz pelos milhares de pessoas que estão neste momento feridas e desalojadas é enviar orações. Pois merda para o Papa, que não sai de cima dos seus sapatinhos Prada que custam uma fortuna para dar água a quem morre de sede!

Não pretendo com este texto ofender as crenças religiosas seja de quem for. Respeito e admiro aqueles que acreditam na fé cristã e na fé católica, mas não respeito e, principalmente, ponho em causa a acção da Igreja Católica como instituição.


Já agora, se querem ser realmente úteis, façam por isso: donativos via multibanco, para a AMI com a entidade 20 909 e referência 909 909 909; para a Cruz Vermelha Portuguesa com a entidade 20 999 e a referência 999 999 999. Qualquer donativo importa!

11.1.10

"eu/ humilde e cansado piloto/ que só de te sonhar me morro de aflição"

Não me lembrava desta data. Foi a Ana Vidigal que ma recordou.
Al Berto é o meu poeta, aquele poeta cujas palavras, por algum motivo, me tocam, de quem decorei versos de tanto os ler. Faria 62 anos hoje, se fosse vivo. Não tive a honra de o conhecer, e só descobri os seus textos depois de ter falecido. Cedo demais. Mas pelo que sei viveu a vida como aquilo que ela é, a única que temos. E fez muito bem.

9.1.10

O primeiro dia do resto das nossas vidas* 4 (é o último, agora vou ali ser um bocadinho mais feliz e já volto)



Ouçam bem cada palavra. Se quiserem o texto está aqui.

A única coisa que tenho a dizer é muito obrigado, Miguel!

*roubado à Ana Vidigal, do Jugular , e ao Eduardo Pitta, do Da Literatura.

8.1.10

O primeiro dia do resto das nossas vidas* 3

O dia está a correr mesmo bem. Não só o projecto de lei sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado, como soube que a minha candidatura a bolsa de estudo foi aceite. É mesmo um dia para recordar :)

*roubado à Ana Vidigal, do Jugular , e ao Eduardo Pitta, do Da Literatura.

O primeiro dia do resto das nossas vidas* 2

O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo acabou de ser aprovado na Assembleia da República. Acaba aqui um longo caminho de luta pela igualdade no direito ao casamento civil. mas começa uma nova luta pela possibilidade de adopção. Tenho esperança que este seja um meio de diminuir a homofobia e a discriminação em Portugal.
O projecto de lei do Governo, que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, foi aprovado na Assembleia da República com os votos a favor do PS, PCP, BE, PEV e de um deputado do PSD. A iniciativa popular de referendo foi rejeitada com os votos contra do PS, PCP, BE e PEV. Os projectos de lei do BE e PEV, que legalizam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a adopção por casais formados por pessoas do mesmo sexo, foram rejeitados com os votos contra do PS, PSD, CDS-PP e a abstenção do PCP.

Vejam a cronologia feita pela Fernanda Câncio sobre os 36 anos de luta contra a discriminação dos homossexuais.


PS.: queres casar comigo?


*roubado à Ana Vidigal, do Jugular , e ao Eduardo Pitta, do Da Literatura.

O primeiro dia do resto das nossas vidas* 1

A decorrer o debate sobre os projectos de lei sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e sobre a petição para referendo do mesmo assunto, em directo no site da Assembleia da República.

*roubado à Ana Vidigal, do Jugular , e ao Eduardo Pitta, do Da Literatura.

7.1.10

LES Online

Surgiu no passado dia 28 de Dezembro a primeira revista online dedicada a estudos e investigações sobre a temática lésbica. É a LES Online e no site encontra-se uma espécie de declaração de intenções: "O LES Online tem como objectivo contribuir para a reflexão sobre questões lésbicas e promover os direitos e a igualdade de oportunidade das mulheres lésbicas.".
Tive conhecimento desta iniciativa na secção gay da revista Time Out que, pela mão de Bruno Horta, tem feito um trabalho excelente na divulgação de formas de arte, como exposições, livros e filmes, ou de espaços ligados à temática LGBT, assim como entrevistas a figuras conhecidas, sobre o mesmo tema.
Acho que esta iniciativa é muito boa, dando uma nova visibilidade a um tema um pouco esquecido: a temática homossexual tem sido objecto de muitos textos na comunicação social mas, por razões históricas e sociológicas, são os gays quem recebe mais atenção, enquanto as lésbicas tendem a ficar "na sombra". Não estou a fazer disto uma queixa, é a realidade das coisas. Pode ser que venham, com acções como esta, a tornar-se diferentes.

6.1.10

"Já viram, 90 mil, 90 mil é muito. É 1%, vejam lá. Mal enche um estádio. Pois, se calhar até nem é assim tanto..."

Pois é, meus caros, voltei a comprar o Público. Eu sei o que é que estão a pensar, e sim, parece existir um ser muito masoquista dentro de mim. Como já era de esperar, na página do espaço público dei de caras com um texto de um senhor chamado Lourenço Martins, de quem, confesso a minha ignorância, nunca tinha ouvido falar, "Juiz Conselheiro Jubilado", no qual o autor defende o referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por baixo aparece um texto de Mário Vieira de Carvalho, musicólogo e professor universitário, que é contra o mesmo referendo. E podiamos passar aqui uns parágrafos a falar da disposição dos textos na página: o texto de Lourenço Martins tem direito a uma fotografia e a uma citação a vermelho, o que, segundo os meus poucos conhecimentos de publicidade, ajuda a tornar o texto apelativo; o texto de Mário Vieira de Carvalho não tem nada disso, passa quase despercebido. Sou eu que estou conspirativa ou isto parece estranho?
Do texto de Mário Vieira de Carvalho não tenho nada a apontar. Assinala a hipocrisia de quem defende o referendo exclusivamente para impedir a legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, que são a maior parte das pessoas que o defendem.
Quanto ao texto de Lourenço Martins, como habitualmente, tenho muito a dizer. Começa por dizer que "o referendo está previsto na Constituição da República como uma expressão de pronúncia directa do povo sobre questões de relevante interesse nacional." É verdade. Como sou uma pessoa prevenida fui ver a Constituição e cito a alínea 3 do artigo 115.º: "O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo." Mas nem esse artigo da Constituição, nem nenhum outro, explica o que são questões de relevante interesse nacional. Então quem diz ao senhor juiz conselheiro, e a todos os que andam por aí a agitar o referendo como bandeira de guerra, de que nesta situação é necessário um sufrágio popular?
Continuando, vejo que o senhor ainda não tinha conhecimento, quando escreveu o texto, do planeamento da votação em Assembleia da República da petição, assinada por 90 mil pessoas que defendem o referendo, no dia 8, em conjunto com os projectos de lei do Governo, do BE e do PEV sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Pois meu senhor, metade da sua crónica perde-se devido ao mau timing. Acontece.
Em seguida afirma que "este afogadilho em resolver o assunto é chocante e o próprio Presidente daRepública reagiu indirectamente ao mesmo." Pois, é chocante, é chocante o esforço feito por um grupo de pessoas para existir igualdade em Portugal, é chocante que haja quem queira que a sua dignidade seja respeitada. É chocante, sem dúvida. E não sei se o Presidente da República lhe disse, pessoalmente, que estava chocado por este assunto vir a ser resolvido. A mim não me disse isso. Mas também, o que ele diz pouco me importa, visto que o seu único argumento é o mais que repassado "há problemas mais importantes". Pode até haver, mas tanto há agora como haverá sempre, porque, caso ainda não tenham reparado, Portugal não vai passar da miséria; encontra-se lá há nove séculos, não me parece que seja na situação actual que vá sair.
Ora, a seguir surgem dois parágrafos onde o senhor fala, primeiro, sobre um parecer do Tribunal Constitucional sobre a suspensão do processo legislativo devido à entrega desta petição, e depois sobre a sua indignação de ver uma petição assinada por 90 mil pessoas não ser tida em conta pela Assembleia. Para ambos remeto a explicação de Isabel Moreira, professora de Direito Constitucional e pessoa em cujos conhecimentos confio. Segundo ela esta petição não tem o poder de suspender os trabalhos em curso e, principalmente, 90 mil pessoas não é assim tanto. Agradeço-lhe por se ter dado ao trabalho de fazer as contas, e de chegar à conclusão que 90 mil pessoas é menos de 1% da população nacional.
E temos mais um ponto com o qual não concordo: "E nem se diga que o facto de o partido no Governo a ter incluído [a questão da legalização do casamento] no seu programa significou a adesão dos portugueses." Ora, não se diga porquê? Porque os portugueses são uns ignorantes e preguiçosos que votam nos partidos sem saber o que eles defendem? Pois problema o deles! Tivessem-se informado antes, para não virem agora fazer figura de ursos.
Havia muito mais a dizer sobre isto. Havia centenas ou talvez milhares de páginas que se podia escrever, sobre a homofobia disfarçada, sobre o preconceito, sobre as mentalidades mesquinhas que defendem apenas a moral e os bons costumes, que se preocupam apenas com as aparências e nunca com a igualdade, a dignidade ou a felicidade dos outros. Eu fiz o que podia fazer, votei em quem defendia os meus direitos. Agora só me resta esperar que haja mais deputados que vejam o que realmente vale a pena defender: a igualdade e a felicidade, ou as aparências e as tradições bacocas.

5.1.10

"Vamos lá entregar a petição, que a seguir temos de ir fazer outra contra essa coisa horrível que é as pessoas serem felizes. Que nojo!"

Hoje, 90 mil assinaturas foram entregues na Assembleia da República. 90 mil assinaturas de 90 mil pessoas que acham que eu, e cerca de um milhão de pessoas deste país, não temos o direito de ser felizes. Porque, segundo essas 90 mil pessoas, estamos a atentar contra a instituição do casamento.
Ora bem, eu não tenho interesse nenhum em meter-me nas vidas dessas pessoas. Não tenho interesse nenhum em saber como funcionam, ou se funcionam, os casamentos dessas pessoas. E se essas pessoas estão assim tão interessadas na vida de quem pretende casar com alguém do mesmo sexo, é porque os seus casamentos são um redondo falhanço, e vivem numa infelicidade tal que só lhes resta insistir na infelicidade dos outros para não se sentirem tão mal.
Eu não tenciono casar com essas 90 mil pessoas. Logo, a minha vida não lhes diz respeito. Não têm nada a ver com quem eu caso ou deixo de casar. Eu quero ter o direito de casar com quem amo, seja um homem ou uma mulher. Eu exijo esse direito, que me deveria ser garantido pelo simples facto de ter nascido como um ser humano.
Infelizmente há muito mais de 90 mil pessoas que acham que há seres humanos com mais direitos que outros. Tenho muita pena em viver num país com pessoas assim.

4.1.10

Um novo paradigma social, por São José Almeida

"O reconhecimento do direito ao casamento civil de homossexuais, que será debatido pelo parlamento para a semana, é um salto civilizacional pelo que significa de concretização de um novo paradigma de organização social.
Maior do que à primeira vista possa parecer e não reduzível às tentativas de ridicularização, esta consagração, caso venha a ser uma realidade dentro de meses, vem colocar no plano do reconhecimento pelo Estado os direitos de personalidade - sublinhe-se que a sexualidade é estruturante desta. E este aspecto dos direitos humanos é a consagração absoluta do que pressupõem os valores democráticos que dizem que todas que dizem que todas as pessoas nascem livres e iguais.
Desde da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, que a instituição destes princípios tem feito um longo caminho. Um dos degraus que nos últimos anos têm sido subidos são precisamente o dos direitos individuais, como os direitos das mulheres e os direitos dos homossexuais.
Mas ao consagrar que a união entre duas pessoas contemplada pelo casamento civil, que tem como pressuposto básico o relacionamento afectivo e sexual, possa ser praticada por homossexuais o Estado português está fazer uma mudança radical no domínio do simbólico: o reconhecimento pela lei de direitos plenamente idênticos entre todas as pessoas sem esconder a sua sexualidade, incluindo aquelas cuja sexualidade não obedece à norma padrão do modelo de relação familiar que domina, sexualidade essa que ainda é vista por muitos como doença, como perversão, pois é não procriativa.
É precisamente a capacidade de o Estado reconhecer igualdade de tratamento com base na sexualidade que é um sinal de mudança de paradigma no entendimento das relações sociais. Não mais a sociedade portuguesa está dividida e classificada de acordo com a concepção de sociedade que tem dominado na cultura judaico-cristã e que assenta no modelo patriarcal heterossexual procriativo como o único aceite como válido.
É certo que este modelo não é o único seguido pela sociedade, nem nunca foi. É certo que, com a procriação medicamente assistida, para haver família, já nem é preciso acto sexual. É certo também que já havia reconhecimento de direitos aos homossexuais, que a igualdade de tratamento e o direito à não discriminação com base na sexualidade está consagrado no artigo 13º da Constituição.
Mas a verdade é que este direito ao casamento estabelece o limiar mítico e mágico, o limiar simbólico de reconhecimento de um estatuto que é estruturante da sociedade. Daí o horror dos sectores conservadores - apostados em que não haja mudança de paradigma de organização social - em que este reconhecimento de direitos use o nome de casamento.
É uma realidade que o problema da discriminação com base na sexualidade não acaba, pois há discriminações dos homossexuais que permanecem, como o do direito à adopção, que só por medo não fica agora resolvido, abrindo-se a porta a que o Tribunal Constitucional se pronuncie contra a lei, por criar uma nova discriminação, já que ela é permitida aos heterossexuais casados e a todos os solteiros. Bem como continua a discriminação dos transexuais e dos transgéneros. Mas o carácter revolucionário desta mudança na lei vai muito para além do que é o reconhecimento de direitos iguais às várias sexualidades.
A admissibilidade pelo Estado de que o casamento é permitido a pessoas do mesmo sexo vem colocar, finalmente, em igualdade perante a lei a mulher e o homem. Isto, porque a sociedade portuguesa deixa de ser concebida com base na divisão entre homem e mulher, que são diferentes e se complementam, na união patriarcal heterossexual e procriativa. E se se completam - mais, se existem para se completar -, então são seres ontologicamente diferentes.
É essa concepção desigualitária das relações sociais básicas que é quebrada pelo Estado português ao admitir - tal como o fizeram vários Estados e estão a fazer muitos outros - este novo paradigma de relacionamento social e ao subir um patamar de importância imensa na persecução dos direitos humanos. Agora mulheres e homens, homossexuais e heterossexuais estão simbolicamente em pé de igualdade no novo modelo de organização social.
E aqui reside a razão da reacção brutal e profunda que tem surgido na sociedade portuguesa a esta alteração - que em termos civilizacionais se equipara ao fim da escravatura ou ao reconhecimento do direito a exercer o voto eleitoral às mulheres. É que os sectores mais conservadores da sociedade portuguesa, onde predomina o fundo cultural judaico-cristão, estão precisamente a reagir na tentativa de defenderem o seu modelo de organização social que apenas assentava no reconhecimento da relação afectiva e sexual que se estabelece na constituição de família através do casamento civil ao par patriarcal heterossexual e pocriativo, para quem os direitos dos homossexuais são uma fantasia perigosa de alguns radicais de esquerda ou de direita, assim como o são os direitos das mulheres - basta ver como a Igreja católica portuguesa se tem pronunciado sobre a igualdade entre mulheres e homens. Setores conservadores esses que ainda não perceberam ou querem fazer de conta que não perceberam que o mundo mudou e está a mudar. E que o paradigma apontado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos está a ser conquistado passo a passo e a enquadrar as relações sociais - e não apenas os aspectos simpáticos e pseudo-caritativos para os pobrezinhos que estão nesse documento.
Resta saber até que ponto o PS tem de facto a dimensão da mudança de paradigma social que está em jogo e se não deita tudo a perder no tacticismo do jogo político perante a pressão de um referendo. Até porque, mesmo que Cavaco silva decida defender publicamente o referendo, ele não pode convocá-lo sem a maioria da Assembleia. O máximo que pode fazer é repetir a actuação que teve na aprovação dos rstatuto dos Açores. A ver vamos se o PS mantém na defesa dos direitos individuais dos homossexuais a convicção que mostrou em defesa dos direitos políticos dos açorianos."
Fonte: Público 30 de Dezembro de 2009
Encontrado aqui.

2.1.10

"O ano que morre foi o que fizemos dele e o que ele fez de nós."
José Manuel dos Santos, Actual, Expresso, 2 de Janeiro de 2010